BIOGRAFIA
VoltarJohannes Kepler
Nasceu a 27 de dezembro de 1571, em Weil, província de Würtemberg, Áustria. Segundo ele mesmo comentaria mais tarde com alguma ironia, o nascimento parece não ter sido presidido por uma configuração favorável dos astros. Ao longo de sua vida infeliz, uma sucessão de infortúnios desanimadores viria a ocorrer. Logo na infância, de fato, a varíola e a escarlatina viriam deformar-lhe as mãos e debilitar irremediavelmente a visão.
As desventuras e dificuldades de Kepler começaram muito cedo, nas próprias bases instáveis do lar. O pai, um soldado mercenário, sem vocação para a vida familiar, abandonou a esposa quatro vezes. Segundo alguns biógrafos, o desinteresse paterno encontrava boa justificativa na fraca personalidade da mulher.
Mesmo doentio, teve de interromper os estudos iniciados em Leonberg para ajudar a mãe no restaurante que ela dirigia em Ellmendingen. Mas, com apenas doze anos, frágil de constituição, o garoto não poderia mostrar grande valia no duro trabalho da taverna. E, assim, foi-lhe permitido retomar os estudos.
Em 1584, com treze anos, ingressou no Seminário de Adelberg. Transferiu-se depois para o de Maulbronn e finalmente entrou no Seminário de Tübingen, passo decisivo em sua formação. Ali tornou-se o aluno predileto do Padre Michel Mästlin, astrônomo de grande fama na época e de prestígio perpetuados até hoje (uma das crateras da Lua leva seu nome. Foi através de Mästlin que Kepler conheceu as idéias de Copérnico. Embora ensinasse astronomia no seminário segundo as idéias de Ptolomeu, para alunos particulares e de confiança, como Kepler, o mestre revelava a concepção de Copérnico, secretamente adotada).
Em 1591, com apenas vinte anos, Kepler já estava diplomado em filosofia e passava a estudar teologia, seu assunto favorito. Necessidades financeiras, porém levaram-no a aceitar o cargo de professor de matemática e astronomia num ginásio de Steyr. A contragosto, portanto, teve de renunciar à carreira eclesiástica e dar atenção à astronomia, que detestava, apesar de seu interesse pela matemática. Dois anos depois, a astronomia estaria ocupando prioridade absoluta em seu pensamento.
Tão acentuado era seu gosto pela matéria, que publicou precocemente uma a intitulada Mysterium Cosmographicum. Não chegava a ser um trabalho brilhante, sobretudo pelas falhas de objetividade causadas por seus preconceitos místicos. Mas, no livro, Kepler apresentava alguns corajosos argumentos em apoio à hipótese de Copérnico. E, com isso, o autor conseguiu atrair a atenção de outros cientistas. Galileu, por carta, elogiou o trabalho; e Tycho Brahe enviou-lhe um convite para encontrá-lo em Praga, onde exercia o cargo de astrônomo oficial da corte do Imperador Rodolfo II. Kepler aceitou poucos anos depois.
Em 1597, com 26 anos, Kepler desposou uma rica e jovem viúva, Barbara Müller. Os biógrafos discordam na avaliação dessa personagem e sobre sua importância na carreira de Kepler. É fato, porém, que o ano imediatamente posterior ao casamento foi bastante sereno e fecundo para Kepler. A relativa tranqüilidade voltou a ser turbada por um acontecimento histórico que nada tinha a ver com a vida conjugal do cientista: Ferdinando sucedeu a Karl, como arquiduque da Áustria, e logo a seguir, decretou o exílio de todos os protestantes. Isso incluía Kepler, que era protestante devotado.
A princípio seu prestígio científico mereceu uma intercessão surpreendente por parte dos jesuítas. Mas a hostilidade reinante acabou por forçá-lo a decidir-se: mudou para Praga, onde trabalharia como assistente de Tycho Brahe.
Na capital da Boêmia, tudo começou mal. A saúde entrou em crise, a personalidade dominadora e irritadiça de Tycho Brahe pressionava e os caprichos do imperador embargavam o trabalho. Na época, era função dos astrônomos da corte fornecerem, horóscopos e toda sorte de predições, tarefa julgada mais importantes do que as atividades científicas. Além dessas humilhantes imposições do imperador, os dois cientistas sofriam também com a inércia e a má-fé dos tesoureiros imperiais; atrasos de pagamentos faziam parte da rotina.
Com o tempo, porém, Kepler e Tycho Brahe foram resolvendo seus problemas de relacionamento. O interesse científico de ambos e o fascínio das descobertas que faziam no observatório eram comungados pelos dois. E, como esse interesse comum fosse predominante para ambos, acabaram amigos e colaboradores. Quando Tycho Brahe morreu, em 1601, a colaboração ainda não seria interrompida: por sua indicação, Kepler iria sucedê-lo como diretor do observatório montado escrupulosamente anos antes. Por outro lado, Kepler prometeu ao moribundo concluir a compilação dos dados acumulados pelo amigo; reuniria, organizaria e completaria as informações e os cálculos legados por Tycho Brahe.
Entre esses trabalhos, que Kepler continuaria, incluía-se uma série sistemática de medidas das posições que os planetas vinham ocupando em redor do Sol. Tycho Brahe tinha esperança de que o cotejo dos dados reunidos, e mais alguns, levariam a um arbítrio final da questão entre seguidores de Copérnico e de Ptolomeu.
Assim, a partir dos trabalhos de Tycho Brahe, Kepler chegou a decifrar o enigma do movimento dos planetas. Não apenas pôde demonstrar que os planetas giram em torno do Sol, mas também que as órbitas descritas são elípticas, não circulares, como supusera Copérnico.
Em 1609, Kepler publicou sua obra fundamental, “Astronomia nova... de motibus stellae Martis”, em que pela primeira vez eram enunciadas as duas leis do movimento planetário que levam seu nome: os planetas apresentam órbitas elípticas, nas quais o Sol ocupa um dos focos; e, ainda, o raio vetorial que une o Sol a um determinado planeta traça áreas iguais em igual período de tempo. Foi a partir dessas observações que Newton, mais tarde, pôde enunciar a lei da gravitação universal. A obra continha, além disso afirmações referentes à gravidade e estudava o movimento das marés, atribuído por Kepler à atração da Lua.
Simultaneamente, nesse período produtivo de sua vida, Kepler aperfeiçoou os instrumentos ópticos requeridos pela observação. Na luneta de Galileu, por exemplo, Kepler introduziu um aperfeiçoamento essencial: a ocular formada por uma lente convergente, até hoje chamada kepleriana.
Mas, a par do êxito científico, continuava a persegui-lo a má sorte. A saúde continuava combalida, a esposa faleceu, a pobreza e a doença lhe roubaram três dos sete filhos. Também, o ressentimento religioso, provocado por suas idéias revolucionárias, haveria de causar-lhe muitas aflições e até a excomunhão.
Em 1612, passou a faltar-lhe o apoio precário da casa imperial. Rodolfo falecera e fora sucedido por Matias. Para obter alguma renda (afora a das fraudulentas predições astrológicas), Kepler teve de aceitar o cargo de professor em Linz. Em 1613 desposou Susanna Reuttinger, mas essa tentativa de normalização de sua vida pouco durou. Em 1616, a mãe foi aprisionada por acusação de feitiçaria. Entre 1616 e 1622, Kepler fez numerosas e difíceis viagens a Würtenberg para tratar da defesa da mãe. Só essa atuação perseverante e seu prestígio científico levaram os juizes a libertar a acusada.
À morte do Imperador Matias, numa Alemanha conturbada pela Guerra dos Trinta Anos, Kepler andou muito tempo sem emprego, assediado pela miséria e pelos problemas religiosos advindos de sua fé obstinada. Só em 1627 é que poderia cumprir a promessa feita ao amigo e mestre de Praga. Nesse ano publicou as “Tabelas de Tycho Brahe”. A obra incluía tábuas de logaritmos e um catálogo de 777 estrelas, aumentado por Kepler para 1005. Durante mais de um século, apesar de alguns erros, essas tabelas seriam adotadas pelos astrônomos para calcular a posição dos planetas.
Em 1628 conseguiu o cargo de matemático na corte do príncipe de Wallenstein (na verdade, com funções de adivinho). Em 1630, no curso de uma viagem a Ratisbona, a doença finalmente o abateu; faleceu em 15 de novembro, num dia hibernal e triste como sua vida, longe de amigos e da família.